Somos nós mesmos que nos iludimos, por querer que as criaturas dem o que não podem e que ajam como imaginamos que devam agir.
A criatura humana modela suas reações emocionais através dos
critérios dos outros, estabelecendo para si própria metas ilusórias na vida.
Esquece-se, entretanto, de que suas experiências são únicas, como também únicas
são suas reações, e de que o constante estado de desencontro e aflição é
subproduto das tentativas de concretizar essas suas irrealidades.
Constantemente, criamos fantasias em nossa mente, bloqueamos nossa
consciência e recusamos aceitar a verdade. Usamos os mais diversos mecanismos
de defesa, seja de forma consciente, seja de forma inconsciente, para evitar ou
reduzir os eventos, as coisas ou os fatos de nossa vida que nos são
inadmissíveis. A “negação” é um desses mecanismos psicológicos; ela aparece
como primeira reação diante de uma perda ou de uma derrota. Portanto, negamos,
invariavelmente, a fim de amortecer nossa alma das sobrecargas emocionais.
Quanto mais sonhos ilógicos, mais cresce a luta para
materializá-los, levando certamente os indivíduos a se tornarem prisioneiros de
um círculo vicioso e, como resultado, a sofrerem constantes frustrações e uma
decepção crônica.
Um exemplo clássico de ilusão é a tendência exagerada de certas
pessoas em querer fazer tudo com perfeição, aliás, querer ser o “modelo
perfeito”. Essa abstração ilusória as coloca em situação desesperadora.
Trata-se de um processo neurótico que faz com que elas assimilem cada manifestação
de contrariedade dos outros como um sinal do seu fracasso e a interpretem como
uma rejeição pessoal.
O ser humano supercrítico tem uma necessidade compulsória de ser
considerado irrepreensível. Sua incapacidade de aceitar os outros como são é
reflexo de sua incapacidade de aceitar a si próprio. Sua busca doentia da
perfeição é uma projeção de suas próprias exigências internas. O perfeccionismo
é, por certo, a mais comum das ilusões e, inquestionavelmente, uma das mais
catastróficas, quando interfere nos relacionamentos humanos. Uma pessoa
perfeita exigirá apenas companheiros perfeitos.
A sensação de que podemos controlar a vida de parentes e amigos
também é uma das mais frequentes ilusões e, nem sempre, é fácil diferenciar a
ilusão de controlar e a realidade de amar e compreender.
A ação de controlar os outros se transforma, com o passar do
tempo, em um nó que estrangula, lentamente, as mais queridas afeições. Se
continuarmos a manter essa atitude manipuladora, veremos em breve se extinguir
o amor dos que convivem conosco. Eles poderão permanecer ao nosso lado por
fidelidade, jamais por carinho e prazer.
Em outras circunstâncias, agimos com segundas intenções,
envolvendo criaturas que nos parecem trazer vantagens imediatas. Em nossos
devaneios e quimeras, achamos que conseguiremos lograr êxito, mas, como sempre,
todo plano oportunista, mais cedo ou mais tarde, será descoberto. Quando isso
acontece, indignamo-nos, incoerentemente, contra a pessoa e não contra a nossa
auto-ilusão.
Escolhemos amizades inadequadas, não analisamos suas limitações e
possibilidades de doação, afeto e sinceridade e, quando recebemos a pedra da
ingratidão e da traição por parte deles, culpamo-los. Certamente, esquecemo-nos
de que somos nós mesmos que nos iludimos, por querer que as criaturas dem o que
não podem e que ajam como imaginamos que devam agir.
Gostamos de alguém imensamente e alimentamos a idéia de que esse
mesmo alguém pudesse corresponder ao nosso amor e, assim, criamos sonhos
românticos entre fantasias e irrealidades.
As histórias infantis sobre príncipes encantados socorrendo lindas
donzelas em perigo são úteis e benéficas, desde que não se transformem em
ilusórias bases da existência. Elas podem incitar os delírios de uma espera
inatingível em que somente um “príncipe de verdade” tem o privilégio de merecer
uma” princesa disfarçada”, ou vice-versa.
A consciência humana está quase sempre envolvida por ilusões, que
impossibilitam, por um lado, a capacidade de autopercepção; por outro,
dificultam o contato com a realidade das coisas e pessoas.
Não culpemos ninguém pelos nossos desacertos, pois somos os únicos
responsáveis — cada um de nós — pela qualidade de vida que experimentamos aqui
e agora.
“O sentimento de justiça está em a Natureza (...) o progresso
moral desenvolve esse sentimento, mas não o dá. Deus opôs no coração do
homem...” ()16
Procuremos auscultar nossas percepções interiores, usando nossos
sentidos mais profundos e observando o que nos mostram as leis naturais
estabelecidas em nossa consciência. Confiar no sentimento de justiça que sai do
coração, conforme asseveram os Guias da Humanidade, é promover a independência
de nossos pensamentos e viver com senso de realidade. Aliás, são essas as
características mais importantes das pessoas espiritualmente maduras.
Estamos na Terra para estabelecer uma linha divisória entre a
sanidade e a debilidade; portanto, é imprescindível discernir o que queremos
forçar que seja realidade daquilo que verdadeiramente é realidade. Muitas
vezes, podemos estar nos iludindo a ponto de negar fatos preciosos que nos
ajudariam a perceber a grandiosidade da Vida Providencial trabalhando em favor
de nosso desenvolvimento integral.
Fonte: Livro Dores da Alma