Espiritualidade na prática clínica: o que o clínico deve saber?*
Spirituality in clinical practice: what should the general practitioner know?
Giancarlo Lucchetti1, Alessandra Lamas Granero2, Rodrigo Modena Bassi3, Rafael Latorraca4, Salete Aparecida da Ponte Nacif5
*Recebido da Associação Médico-Espírita de São Paulo, SP.
INTRODUÇÃO
No dia 17 de outubro de 2009, véspera do dia do médico (escolhido por ser o dia de São Lucas, conhecido como ”médico de homens e de almas”), ocorreu no X Congresso Brasileiro de Clínica Médica a mesa redonda: “Espiritualidade na Prática Clínica”.
A iniciativa inédita da Sociedade Brasileira de Clínica Médica foi agraciada com a lotação do auditório no evento e alertou para a necessidade da abordagem deste tema nos congressos médicos e na prática clínica.
O objetivo deste estudo foi traçar um panorama do uso da espiritualidade na prática clínica e quais os conhecimentos básicos necessários para o clínico abordá-la na sua prática diária.
Por que o clínico deve abordar a espiritualidade do paciente?
Uma das perguntas mais realizadas pelos médicos em geral é qual a razão para abordar a espiritualidade do paciente. Inicialmente vale lembrar que muitos pacientes são religiosos e suas crenças os ajudam a lidar com muitos aspectos da vida. Além disso, as crenças pessoais dos médicos influenciam nas suas decisões, tanto por parte do paciente (tendo como exemplo o paciente que é Testemunha de Jeová que não aceita o uso de hemoderivados), como por parte dos próprios médicos (tendo como exemplo, médicos que se recusam a prescrever anticoncepcionais devido aos seus princípios religiosos). Mais do que isso, atividades e crenças religiosas estão relacionadas à melhor saúde e qualidade de vida, assim como os médicos que falam sobre as necessidades espirituais não são novidades, tendo suas raízes na história e muitos pacientes gostariam que seus médicos comentassem sobre suas necessidades espirituais. Estudos demonstram que a maioria dos pacientes gostaria que seus médicos abordassem sobre sua religião e espiritualidade, e relataram que sentiriam mais empatia e confiança no médico que questionasse esses temas, proporcionando o resgate da relação médico-paciente, com uma visão holística e mais humanizada.
PESQUISAS E BASES CIENTÍFICAS
As pesquisas científicas sobre o assunto são numerosas. No banco de dados da PubMed, foram relacionados 4.202 estudos à palavra “spirituality” e para a palavra “religion” 41.314. Esse número de estudos foi equivalente ao número relacionado à palavra “physical activity” na mesma data.
Os estudos têm demonstrado maior relação entre espiritualidade e religiosidade com a saúde mental, incluindo menor prevalência de depressão, menor tempo de remissão da depressão após o tratamento, menor prevalência de ansiedades e menor taxa de suicídio. Da mesma forma, estudos demonstram uma relação da espiritualidade com melhor qualidade de vida e maior bem estar geral.
Alguns desfechos clínicos também têm sido avaliados de forma consistente. Os pacientes mais religiosos tiveram menores níveis de hipertensão diastólica, índices menores de mortalidade por causas cardiovasculares e menor mortalidade em geral.
Lutgendorf e Col. mostraram que a frequência religiosa levaria à diminuição na IL-6 e esta levaria à diminuição da mortalidade. Este estudo seria a primeira pesquisa a demonstrar uma participação de um fator imunológico mediando um fator comportamental com a mortalidade. Seguiram-se então, estudos voltados às populações específicas como no caso de mulheres com câncer de mama, em que a maior espiritualidade esteve diretamente relacionada ao número total de linfócitos, de células Natural Killer Torna-se claro na prática clínica que, na grande maioria das vezes, não é possível (NK) e de linfócitos T-helper e T-citotóxicos
.
Quanto às pesquisas com marcadores inflamatórios, há evidências de menores níveis de proteína C-reativa e menores níveis de cortisol nos pacientes que possuem maior frequência religiosa.
Periódicos de alto impacto na literatura médica têm vinculado publicações científicas na área como é o caso do The Journal of the American Medical Association (JAMA), New England Journal of Medicine e Annals of Internal Medicine, dentre outros.
O clínico deve ter conhecimento das evidências que suportam este campo, de forma a entender suas repercussões na saúde do paciente.
Barreiras para o médico
Algumas barreiras são colocadas pelos médicos para não abordarem o tema35. Pode-se citar a falta de conhecimento sobre o assunto, falta de treinamento, falta de tempo, desconforto com o tema, medo de impor pontos de vista religiosos ao paciente, pensamento de que o conhecimento da religião não é relevante ao tratamento médico e a opinião de que isso não faz parte do papel do médico. Essas barreiras são quebradas à medida que o médico se aprofunda no tema e desvencilha-se de seus próprios medos e preconceitos.
Nem todos os efeitos da religião são positivos. É importante que os médicos estejam atentos quando a religião pode desencadear problemas (principalmente no caso da religião punitiva em que há uma sensação de que Deus está punindo ou abandonando o paciente) e causar conflitos quanto às condutas médicas. No caso de dificuldades para lidar com relações conflitantes a figura da capelania do hospital ou do líder religioso do paciente é essencial, conjuntamente com o Serviço de Psicologia Hospitalar.
CONCLUSÃO
O clínico deve estar atento à dimensão espiritual do paciente, seja ela positiva ou negativa. O conhecimento científico e prático do assunto pode evitar conflitos na relação médico-paciente, beneficiar os desfechos clínicos e facilitar o atendimento médico.
O clínico deve saber o momento certo e a forma correta de se abordar essa dimensão, sem ofender ou julgar as preferências religiosas de cada paciente, de forma a exercer a Medicina de forma mais humana e integral possível.
NOTA: Que bom que a fechada e endeusada medicina esteja enxergando uma luz no fim do túnel da ignorância espiritual.
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